Rodrigo Rangel - O Estadao de S.Paulo
Dona de um patrimônio estimado em mais de R$ 250 milhões, boa parte na
forma de imóveis e emissoras de rádio e televisão, a família Sarney abriu uma
nova fronteira de negócios. Investe agora em terrenos situados em regiões do
Maranhão onde há perspectiva de exploração de petróleo e gás natural. Os
investimentos mais recentes se concentram em Santo Amaro, município localizado
a 243 quilômetros de São Luís, na região dos Lençóis Maranhenses.
As áreas estão registradas em nome da Adpart Administração Ltda, empresa
aberta em dezembro de 2007 e que tem como sócios o presidente do Senado, José
Sarney (PMDB-AP), e uma das netas dele, Ana Clara, filha do empresário Fernando
Sarney. A Adpart "funciona" na casa de José Sarney, na Península dos
Ministros, Lago Sul de Brasília.
O caso das terras de Santo Amaro desperta atenção pela polêmica que
envolve as propriedades. Trata-se de um imbróglio que já foi parar até em
delegacia de polícia. O problema é que as mesmas faixas de terra foram vendidas
mais de uma vez - por pessoas diferentes e a compradores diferentes. Resultado
disso: para um mesmo terreno, há mais de uma escritura e o nome do presidente
do Senado está no centro da briga. Os vários "donos" das terras se
acusam mutuamente de fraudar documentos. A disputa ocorre exatamente no pedaço
de terra onde estariam localizadas promissoras reservas de gás natural.
A escritura em poder da família Sarney data de 2004. Pelo documento, o
terreno foi comprado pelo próprio senador, representado na ocasião por
procuração concedida a um de seus irmãos, Ronald Sarney. Mais recentemente,
José Sarney decidiu transferir a propriedade para a Adpart, a empresa sediada
em sua casa de Brasília - a mesma casa, no valor de R$ 4 milhões, que o senador
deixou de declarar à Justiça Eleitoral em duas eleições consecutivas, como
revelou o Estado.
O pobre município de Santo Amaro passou a ser alvo de especulação
imobiliária nos últimos cinco anos, justamente por conta do prometido eldorado
do gás. Os terrenos objeto do litígio em que Sarney está envolvido são
contíguos à chamada "área de acumulação marginal de petróleo e gás de
Espigão", leiloada em 2006 pela ANP, a Agência Nacional de Petróleo. No
leilão, o campo esteve entre os mais disputados. A estimativa, à época, era de
que ali haveria mais de 280 milhões de metros cúbicos de gás, algo que pode
render dinheiro não apenas para as empresas que vão explorar o campo, mas
também para os donos das terras - daí a razão da briga.
A assessoria do senador disse ao Estado que ele "comprou legalmente
os terrenos" em Santo Amaro. "Ele desconhece que exista duplicidade.
E, se existir, é má-fé, a ser resolvida na Justiça", afirmou em resposta
dada por escrito.
Os terrenos na região dos Lençóis são uma pequena amostra do patrimônio
dos Sarney. O senador não nasceu rico. Quando presidente da República, em
discurso em São Luís, ele se emocionou ao lembrar da origem humilde: o pai teve
de vender uma máquina de datilografar para mandá-lo estudar na capital. Há mais
de 40 anos no comando da política maranhense, foi o senador quem fez a fortuna
da família. O principal negócio veio da própria política: as concessões de TV e
rádio que fazem dos Sarney os proprietários de um pequeno império de
comunicação, o maior do Maranhão.
A Rede Mirante, afiliada da Rede Globo, possui geradoras e repetidoras
espalhadas por todo o Estado. As rádios da família também se disseminam pelo
Maranhão. O conglomerado de mídia dos Sarney inclui ainda o maior jornal local.
Estima-se que só o valor de mercado dessas empresas ultrapasse os R$ 200 milhões.
A família também possui uma vasta carteira imobiliária. São casas, terrenos,
apartamentos e áreas rurais que se espalham pelo Maranhão, São Paulo, Rio de
Janeiro, Goiás e Brasília.
BENS
Curiosamente, essa fortuna passa longe das declarações de bens do
patriarca, José Sarney (leia abaixo). Embora seja o grande responsável por
construí-la, o senador faz questão de deixar a maior parte do patrimônio em
nome dos filhos. Em suas declarações, não há referência a uma ação sequer das
empresas de comunicação, por exemplo. A ilha de Curupu e a casa colonial que
Sarney construiu num dos pontos mais valorizados da orla de São Luís também
estão fora de suas listas de bens. O expediente é sempre o mesmo: Sarney
repassa os ativos aos filhos por meio de doações. Um exemplo ilustrativo é o da
ilha de Curupu.
A ilha foi uma herança da família de Marly, mulher do presidente do
Senado. Foi, na origem, uma doação a frei Francisco Mata Borges, no século 18.
Tem 16 quilômetros quadrados. Está num pedaço espetacular do litoral do
Maranhão, onde é possível chegar apenas de barco ou helicóptero. Durante anos,
era uma propriedade quase intocada. Depois que Sarney assumiu a Presidência da
República, em 1985, a família resolveu erguer ali seu refúgio particular.
Em Curupu, onde Sarney foi descansar assim que começou o recesso
parlamentar, há três casas. São interligadas por passarelas suspensas que
servem a quem quer ir de uma casa à outra nos horários de maré cheia. Uma das
casas foi construída pela filha de Sarney, Roseana, e pelo marido, Jorge Murad,
há menos de dez anos - tem 12 quartos e estrutura de madeira de lei. Possui um
atracadouro, construído no fim de um canal dragado especialmente para permitir
que as embarcações da família possam se aproximar.
DE CIMA
Só é possível ter uma ideia da estrutura construída pelos Sarney olhando
a ilha de cima. Os moradores dos povoados perto de Curupu não fazem ideia do
que tem por lá. A mata em volta das casas não permite ver a área privativa.
"Eles não deixam andar por lá, não. Eu nem sei como é lá dentro", diz
Aldeniron Rodrigues Santos, 41 anos, que toma conta de uma casa de veraneio do
outro lado da baía e costuma pescar nas proximidades de Curupu. "Só vejo o
movimento de barcos quando tem alguém dos Sarney lá", conta.
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